Setembro Amarelo: o impacto do suicídio na vida consagrada

Qual a importância da campanha Setembro Amarelo? De acordo com informações da Organização Mundial da Saúde (OMS) uma pessoa comete suicídio a cada 40 segundos em todo o mundo. Além disso, as estatísticas também apontam que, para cada suicídio consumado, existem 25 tentativas.

Contudo, essa não é uma realidade que atinge apenas pessoas afastadas do convívio de Deus, como muitos pensam. Muitos religiosos cometeram suicídio.

Apenas no Brasil, entre os anos de 2016 e 2023, 40 sacerdotes tiraram a própria vida. Esse número é apresentado pela pesquisa do Padre Lício de Araújo Vale.

Logo, é mais do que urgente que a comunidade religiosa volte seu olhar para o ser humano sofredor a fim de socorrê-lo e preservar sua vida. Afinal, os religiosos são pessoas que se alegram e que ficam tristes, se cansam, chegam à exaustão, choram e sofrem como qualquer pessoa comum.

Setembro Amarelo, o que é?

O Setembro Amarelo é uma campanha da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM); é o mês da prevenção ao suicídio.

Logo, durante todo o mês, a sociedade como um todo é chamada a refletir sobre a importância da prevenção, discutir e promover ações a respeito do suicídio. Sendo que, dentro da campanha Setembro Amarelo, o dia 10 desse mês é oficialmente o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

De acordo com a última pesquisa realizada pela OMS, em 2019, foram registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo, sem contar com os episódios subnotificados. Desta forma, estima-se mais de 1 milhão de casos. A pesquisa afirma ainda que todos os anos mais pessoas morrem como resultado de suicídio do que HIV, malária, câncer de mama ou guerras e homicídios.

No Brasil, os números da pesquisa apontam cerca de 14 mil casos por ano, o que significa que em média 38 pessoas cometem suicídio por dia.

De acordo com a página oficial da campanha Setembro Amarelo, praticamente 100% de todos os casos de suicídio estão relacionados às doenças mentais, principalmente não diagnosticadas ou tratadas incorretamente.

Logo, isso significa que a maioria dos casos poderia ter sido evitado se essas pessoas tivessem recebido tratamento psiquiátrico adequado e informações de qualidade.

A campanha Setembro Amarelo deste ano tem como tema “Se precisar, peça ajuda!”.

Setembro Amarelo na comunidade religiosa

O pesquisador Padre Lício afirma que “tanto a Igreja quanto os próprios sacerdotes enfrentam o desafio de atuar numa sociedade cada vez mais individualista, secularizada e espetacularizada”. E que esta sociedade “apresenta grandes exigências causadas pelas mudanças sociais e pela pluralidade de valores”.

Ele chama atenção para o fato de que existe um dilema entre a imagem teológica e a sociológica dos padres. E que “em muitos casos, a imagem teológica do sacerdote se contrapõe à imagem sociológica”. E isso é um grande agravante para doenças mentais, como depressão e ansiedade.

Padre Lício explica que “a imagem teológica é aquela que o sacerdote projeta quando celebra os sacramentos, e quando se relaciona com seus colaboradores mais próximos”. Já a imagem sociológica “é aquela que o presbítero recebe da sociedade, muitas vezes diferente daquela que ele tem de si próprio, o que pode causar estresse, solidão e abatimento”.

Neste sentido, ele explica que “a contradição entre essas duas imagens pode levar o sacerdote a subvalorizar a imagem teológica, ou então enclausurar-se nela”. Além disso, a “supervalorização da imagem teológica pode levá-lo a subestimar a imagem sociológica e cultivar o desejo de ocupar um posto na sociedade”. Por outro lado, “a infravalorização dessa imagem teológica pode levar a questioná-la e vê-la como um produto de uma teologia exagerada”.

Assim, o Setembro Amarelo deve ter o intuito de ajudar os religiosos a terem um novo olhar sobre si mesmo e sua vocação. Ou, como propõe Padre Lício, “o desafio dos sacerdotes neste aspecto resume-se a não fugir da realidade” e em “viver coerentemente a dimensão teológica do sacerdócio”.

As dores da vida religiosa

O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial. E no caso dos religiosos, vários estudos apontam que os principais fatores de risco para o suicídio são o estresse, a solidão, a depressão e a cobrança excessiva. Fatores que não podem ser ignorados pela comunidade religiosa e que são muito oportunos de serem debatidos a partir do Setembro Amarelo.

Neste sentido, a proposta do Padre Lício vem a calhar: “é relevante reconhecer a importância e urgência de uma melhor formação inicial nos seminários e noviciados, trabalhando mais efetivamente a dimensão humano-afetiva”.

Além disso, é necessário, segundo ele, “a criação de estratégias pastorais mais apropriadas”. E isso não apenas para a formação permanente, mas também para o cuidado dos próprios sacerdotes, a fim de que “saibam enfrentar o medo e o preconceito em relação à saúde mental dos presbíteros”.

A importância do acolhimento

Uma pesquisa apresentada em 2008, no Congresso do ISMA Brasil, organização de pesquisa e tratamento do estresse, mostrou que a vida sacerdotal é uma das profissões mais estressantes da atualidade. Para esta pesquisa, 1,6 mil padres e freiras foram entrevistados, e desses 448 (28%) afirmaram se sentir “emocionalmente exaustos”. Já naquele tempo, os números eram superiores ao de policiais (26%), executivos (20%) e motoristas de ônibus (15%).

A psicóloga Luciana Campos, especialista em atendimentos a religiosos e autora do livro “A Dor Invisível”, escreveu: “Independente das causas que levam o sacerdote ao suicídio, tudo indica, que na maioria dos casos, a forma de se relacionar com a solidão e o fator isolamento tem sido letal!”.

E com relação à depressão, outro fator de risco, ela questiona: “Como estão sendo vistos, acolhidos e tratados os padres depressivos?” Ela ainda aponta que as pesquisas dizem que entre 90-95% dos suicidas apresentavam transtornos psiquiátricos no momento da morte. E afirma: “Há uma correlação importante, sobretudo, entre o suicídio e a depressão”.

No Setembro Amarelo, Congresso propõe a “Revolução da Ternura”

Nos dias 15 e 16 de setembro, o Centro Âncora, especialista em cuidar da saúde física, mental e emocional da vida consagrada, promoveu o VII Congresso Âncora com o tema: Revolução da Ternura.

O termo Revolução da Ternura tem sido frequentemente utilizado pelo Papa Francisco, em muitos discursos e homilias. Logo, o Papa tem instigado os consagrados a serem agentes de ternura no mundo. E certa vez ele fez o seguinte questionamento em uma de suas audiências: “Estou permitindo que o Senhor me ame com a sua ternura, transformando-me em um homem/mulher capaz de amar desta forma?”

Este questionamento inquietou a equipe do Centro Âncora acerca do tema e nos motivou na realização deste VII Congresso, porque compreendemos que a ternura tem um poder transformador. E essa transformação acontece tanto na vida de quem é alvo da ternura (seja a de Deus ou a humana), quanto na vida de quem age com ternura.

Estudos mostram que a ternura tem a capacidade de reduzir o estresse, de fortalecer os laços sociais e de promover a saúde emocional e mental. Logo, quando nos permitimos ser ternos e acolhedores, criamos um ambiente propício para o crescimento, a cura e a conexão profunda com os outros.

ASSISTA: Workshop Setembro Amarelo – Uma psicodinâmica do suicídio na vida sacerdotal e consagrada

Desafios e benefícios da ternura na vida consagrada

Ternura na vida consagrada. Você provavelmente já se deparou com o Papa Francisco falando sobre esse tema, afinal, tem sido recorrente em suas homilias, discursos, encíclicas e exortações.  

No entanto, nem sempre sabemos como colocar em prática a ternura na vida consagrada. E muitos ainda se questionam se de fato isso faz diferença na vivência da vocação e no serviço ao Reino de Deus.

Mas não importa quais são as suas dúvidas, porque aqui vamos dar algumas pistas que certamente ajudarão a sair da teoria e passar para a prática. Portanto, continue sua leitura!

O que é ternura?

Vamos começar por compreender o que é a ternura. Muitos de nós compreendemos a ternura como um dos sentimentos mais belos que o ser humano é capaz de sentir. Ele está diretamente relacionado à bondade e à compaixão, ou seja, algo que Jesus demonstrou em toda a sua vida pública.

Logo, a ternura é capaz de causar em nós uma sensação de conforto, carinho e amor, que nos faz sentirmos bem conosco mesmo, com os que estão ao nosso redor e até mesmo com Deus.

Além disso, a ternura é também uma maneira de expressarmos amor, gentileza, carinho, aceitação, acolhimento, cuidado etc., essa lista pode ser numerosa. Logo, a ternura na vida consagrada nos leva a estabelecer relações afetuosas e de confiança.

Por isso é tão importante reconhecermos a necessidade da ternura na vida consagrada.

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Revolução da ternura: o chamado da vida consagrada 

Você já experimentou a ternura na vida consagrada?

Será que você, particularmente, já foi alvo da ternura por parte de alguém? Alguma vez você foi visitar alguma família que, mesmo sendo a mais humilde, financeiramente falando, ofereceu um cafezinho passado na hora, um biscoitinho, uma fatia de bolo como sinal de acolhida? Ou mesmo que essa família não tivesse nada a oferecer para comer, mas todos trataram você com atenção e com um carinho que se manifestava no olhar?

Alguma vez você já encontrou alguém que nem conhece direito, seja na igreja ou em outro ambiente, mas olhou com alegria e deu um grande abraço?

Tudo isso são manifestações de ternura!

E as pessoas agem assim porque reconhecem na vida consagrada a presença de Deus e sentem por ela um amor que é movido pelo amor divino. Logo, a ternura de que você foi alvo tem como fonte o próprio Deus.

Por outro lado, a vida consagrada é convidada a derrubar todos os muros que levantou em torno de si para evitar sentimentos como a ternura de Deus, baseado no conceito de que fé não é sentimentalismo. E de fato não o é. Porém, o Papa Francisco nos recorda que a ternura é o antídoto ao medo em relação a Deus, porque “no amor não há temor” (1Jo 4,18), porque a confiança vence o medo. Portanto, sentir-nos amados significa aprender a confiar em Deus, a dizer-lhe, como Ele quer: ‘Jesus, confio em ti’”. 

Agir com ternura na vida consagrada

Ser alvo da ternura, seja das pessoas e muito mais do próprio Deus, é algo muito bom e transformador. Há quem testemunhe que a ternura pode nos proporcionar curas interiores.

Além disso, o Papa Francisco nos ensina que “a ternura é o primeiro passo para superar o fechamento de si mesmo e sair do egocentrismo que deturpa a liberdade humana”. E que “a ternura de Deus nos leva a entender que o amor é o sentido da vida”.

No entanto, não podemos apenas experimentar a ternura, mas precisamos ser ternura para o outro. E “se Deus é ternura infinita, o ser humano, criado à sua imagem, é também capaz de ternura”, nos recorda o Sumo Pontífice.

E na concepção do Papa, ser capaz de ternura é “derramar no mundo o amor recebido do Senhor”.

Logo, a ternura na vida consagrada é a capacidade de mostrar ao outro que o aceitamos como ele é, que o amamos porque vemos nele a pessoa do próprio Cristo. Um benefício para o outro, mas também para nós, já que, quando agimos com ternura, nos permitimos crescer em todos os aspectos de nossa vida.

Sem contar que, quando somos ternos com alguém, também nos sentimos envolvidos pela ternura.

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Gestos concretos de ternura na vida consagrada

Talvez o grande desafio para muitos seja saber como agir com ternura na vida consagrada. E isso é normal, já que o cotidiano da vida consagrada é cheio de adversidades, sem contar as grandes demandas do trabalho pastoral.

Além disso, contrário ao que hoje nos convida o Papa Francisco, ou seja, à revolução da ternura, muitos religiosos, no seu tempo de estudo e preparação, foram orientados a não criar vínculos com o povo de Deus. E como resultado disso muitos, acabam buscando meios de se manterem insensíveis ou distantes das ovelhas do rebanho do Senhor.

Por isso, vamos listar alguns exemplos práticos de como praticar a ternura na vida consagrada. São gestos muito simples, você pode se surpreender, mas podem causar uma transformação na vida das pessoas. Acompanhe!

  • Cumprimentar a todos com alegria, mesmo quando a dor consome por dentro;
  • Agradecer a todos por qualquer gesto;
  • Usar sempre palavras brandas, mesmo quando é necessário corrigir alguém;
  • Ouvir sempre com atenção aquele que precisa conversar, ainda que sejam assuntos desinteressantes a você;
  • Cumprimentar as pessoas com um abraço sincero;
  • Conversar com as pessoas olhando fixamente em seus olhos;

Essas são apenas algumas pistas, mas, certamente, o Espírito Santo de Deus pode indicar a você muitas outras atitudes de ternura na vida consagrada.

O primeiro passo é abrir-se a essa experiência e desejar colocar a ternura em prática, e não faltarão oportunidades para isso.

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